opinião

O outro grito pela vida



Eu supunha que reagissem ao que escrevi, há alguns dias, em defesa da vida, mas houve um silêncio ensurdecedor! Meu texto não provocou nenhuma reação. Guardava comigo novos argumentos e - como que no bolso do colete - uma pergunta que me fez um amigo querido, o José Antonio Brenner: a mulher tem direito sobre o corpo; mas qual corpo? Aquele que gesta no seu ela pode matar?

O processo da civilização vem lentamente banindo desumanidades, de sorte que, entre nós, desde a vigência do primeiro Código Civil certas patologias deixaram de consubstanciar causa de recusa à capacidade jurídica do recém-nascido.

O nascituro é titular de direitos adquiridos. Leia-se o texto do nosso Código Civil: a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Não há, pois, espaço para distinções, como assinala José Neri da Silveira em belo parecer: "em nosso ordenamento jurídico, não se concebe distinção também entre seres humanos em desenvolvimento na fase intrauterina, ainda que se comprovem anomalias ou malformações do feto; todos enquanto se desenvolvem no útero materno são protegidos, em sua vida e dignidade humana, pela Constituição e leis".

Há quem argumente com a inviabilidade do nascituro portador de anencefalia, pretendendo justificar a prática do aborto de ser humano que não sobreviverá por muito tempo fora do útero materno. O direito brasileiro não adota, contudo, a viabilidade do nascituro para proteção de seus direitos.

A interpretação/aplicação do direito pressupõe a plena compreensão da realidade pelo intérprete. Mas ele não é autorizado a decidir segundo qualquer outra lógica que não a jurídica. Dela não pode se afastar, seja para ceder à ciência, seja para adotar valores de ética religiosa. Há de decidir no quadro da ordem jurídica, estritamente. E não há como, na moldura da lógica jurídica, conceber o feto como coisa, como res.

Nenhum, entre a hierarquia dos juízes de nossa terra, em tese negaria aplicação do disposto no artigo 123 do Código Penal - que tipifica o crime de infanticídio - à mulher que matasse, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho anencéfalo, durante o parto ou logo após, sujeitando-a a pena de detenção, de dois a seis anos. Se o filho anencéfalo morto pela mãe sob a influência do estado puerperal é ser vivo, por que não o seria o feto, que pode receber doações, figurar em disposições testamentárias e ser adotado?

Uma breve história, por fim. Um homem simples, do campo, ouvindo algumas pessoas discutirem em torno de ser ou não perigosa, para a mãe, a interrupção da gravidez no segundo e no terceiro mês de gestação, perguntou-lhes, ingenuamente, se não seria melhor deixar nascer a criança e matá-la, no primeiro momento de vida fora da mãe...

Um horror! A vida é maravilhosa, mas - lastimavelmente - juízes sem preconceitos, sem saberem o que é o Direito, fazem suas próprias leis...


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